O segredo dos noruegueses
20 de julho de 2023

A Noruega nos últimos anos vem produzindo atletas de classe mundial em esportes de resistência. Mas o que tem de tão especial no treinamento deste pequeno país nórdico, formado por 50 mil ilhas onde a cada 11 mil habitantes, um é medalhista olímpico.
O método norueguês se baseia na implementação de grandes quantidades de treinos em baixa intensidade, combinado com sessões controladas de treinamento em alta intensidade. Esse tipo de metodologia em esportes de resistência está sendo usado por eles há muito. Para nos ajudar com o tema, procuramos Ronaldo Fonseca. Formado em Educação Física, com pós graduação em Triathlon e treinador da Spadotto Team.
MundoTri: Até onde, de fato, a ciência faz a diferença na metodologia e acompanhamento dos atletas? Coloca esse sucesso dos noruegueses relacionado à esse conceito?
Ronaldo Fonseca: A ciência é indubitavelmente uma peça-chave no sucesso dos atletas noruegueses, mas não é a única responsável. Ela atua como um pilar que sustenta uma estrutura complexa que envolve fatores como talento, paixão, trabalho duro e uma forte cultura esportiva.A metodologia de treinamento norueguesa é fortemente fundamentada na ciência, eles utilizam os últimos avanços tecnológicos em biomecânica, nutrição esportiva, fisiologia e psicologia do esporte para informar suas estratégias de treinamento. Estes avanços científicos são utilizados para personalizar os programas de treinamento para cada atleta, permitindo que eles atinjam seu potencial máximo. Os noruegueses também usam a ciência para monitorar a performance e a recuperação dos atletas. Eles usam uma variedade de tecnologias, desde wearables que monitoram a frequência cardíaca e os padrões de sono, análises sanguíneas regulares para avaliar a fadiga e o risco de lesões. Este nível de monitoramento permite que eles ajustem o treinamento e a recuperação com base nas necessidades individuais de cada atleta.
MundoTri: Ronaldo, acha que estamos muito longe de atingir o nível dos noruegueses relacionado à ciência e treinamento? Consegue mensurar em qual nível estamos?
Ronaldo Fonseca: Ao analisarmos o cenário esportivo, mais propriamente o Triathlon, tanto do ponto de vista do desenvolvimento de atletas quanto da integração da ciência ao treinamento, a Noruega surge como um dos países mais avançados. Isso se dá devido a um mix de fatores, incluindo um investimento considerável em pesquisa, uma abordagem sistemática para a formação de atletas e a implementação prática de insights científicos nos seus programas de treinamento. Em comparação, o Brasil, apesar de possuir talentos notáveis e ter conseguido sucessos em algumas modalidades esportivas, ainda enfrenta desafios para alcançar o mesmo patamar. Esses desafios incluem a necessidade de investimento mais robusto em pesquisa e desenvolvimento, aprimoramento das infraestruturas de treinamento e uma abordagem mais sistemática e científica para o desenvolvimento de atletas. Na escala proposta, se considerarmos a Noruega como nota 9 em termos de integração de ciência e treinamento esportivo, eu colocaria o Brasil atualmente em torno da nota 5 ou 6. Esse valor indica que temos um caminho a percorrer, mas também reflete o progresso que já foi feito. Importante ressaltar que, apesar de estarmos atrás de países como a Noruega, o Brasil tem potencial para crescer e evoluir nesse cenário. O talento esportivo existe, e a ciência do esporte está se desenvolvendo no país. O desafio agora é traduzir esse potencial em ação, investindo em infraestrutura, pesquisa, e na formação de uma cultura esportiva mais sistemática e baseada em evidências e claro, focando tudo isto desde a base.
Treinadores como Olav Aleksander Bu (chefe de desempenho e performance da equipe norueguesa de triathlon desde 2015) trazem o conceito de "entalpia". Considerando este conceito, pode-se garantir que o atleta esteja treinando na intensidade correta, por meio da coleta e análise de dados quantitativos e qualitativos relacionados ao treinamento.
De acordo com a "entalpia", a rotina de treinamento de vários atletas profissionais de endurance é mais de 80% (às vezes até 90%) do tempo total, dedicado a treinos de baixa intensidade, em esforço leve (abaixo do 1o limiar ventilatório). O restante é dedicado a trabalhos de alta intensidade em exercícios específicos. Os treinadores monitoram a intensidade de seus atletas usando testes de lactato de forma diária para ajustes de pacing. Quando o organismo está "estressado" devido a atividade (treino), os níveis de lactato aumentam, acumulando fadiga e em alguns casos é preciso diminuir a intensidade. Otimizar o limiar de lactato pode produzir benefícios significativos de desempenho. Basicamente, esta é a razão pela qual os noruegueses concentram com alguns de seus atletas, a maior parte do seu trabalho intervalado nessa zona do limiar de lactato.
MundoTri: Quem não se atualizar e começar a trazer o laboratório para o centro de treinamento vai ficar ultrapassado? Como enxerga essa relação?
Ronaldo Fonseca: A dinâmica do esporte contemporâneo é cada vez mais competitiva e, nesse contexto, aqueles que não incorporarem a ciência e a tecnologia em seus programas de treinamento podem correr o risco sim, isso não significa literalmente construir um laboratório no centro de treinamento, mas sim incorporar a idéia de se fazer coletas e análise de dados, uso de tecnologias emergentes, e aplicações de novas descobertas científicas nos regimes de treinamento. Essa incorporação não se limita apenas ao treinamento físico, mas também à nutrição esportiva, psicologia esportiva e técnicas de recuperação. A análise de dados é uma das áreas mais promissoras neste aspecto, permitindo que treinadores e atletas entendam melhor o desempenho e identifiquem áreas onde podem ser feitas melhorias através da correlação de todos estes dados. No entanto, é importante notar que a ciência e a tecnologia não devem substituir a experiência prática e a intuição, são ferramentas valiosas que, quando usadas em conjunto com a experiência do treinador e o feedback do atleta, podem levar a melhorias significativas no desempenho. Em suma, a atualização e a inovação são imperativas no esporte moderno e integrar a ciência e a tecnologia em programas de treinamento não é mais uma opção, mas uma necessidade, onde todos buscam os famosos "marginal gains" (risos). No entanto, é importante lembrar que, embora essas ferramentas possam proporcionar uma vantagem competitiva, elas devem ser usadas em conjunto com a sabedoria adquirida pela experiência prática, o "olho no olho"entre treinador e atleta prevalece em várias ocasiões, mas de certa forma, esta combinação é o que impulsionará o futuro do treinamento esportivo para novos recordes.
O treinamento polarizado dos treinadores noruegueses não significa que os atletas não fazem treinos longos e fortes. Pois são nestes treinos que colocam em prática o ritmo desejado em uma competição. Já que triatletas do nível de Kristian Blummenfelt e Gustav Iden (treinados por Olav Aleksander Bu) competem entre 15 a 20 vezes por temporada! Vale ver esta entrevista aqui onde Olav Bu explica melhor o tema.
Embora a ciência desempenhe um papel importante, não devemos subestimar a importância de outros fatores. A cultura esportiva na Noruega, por exemplo, é extremamente forte e considerada uma parte importante da vida diária. Este ambiente incentiva a participação em esportes desde uma idade jovem, e proporciona uma base sólida sobre a qual o talento pode ser cultivado. Além disso, o sistema esportivo norueguês é muito bem apoiado em termos de infraestrutura e recursos, e há uma forte rede de suporte para os atletas, incluindo treinadores qualificados, fisioterapeutas, nutricionistas e médicos do esporte. Todos esses fatores contribuem para o sucesso dos atletas noruegueses.
Diogo de Oliveira Editor-ChefeÚltimas noticias
- Race Preview - T100, WTCS e IM completam o fim de semana
- Race Preview - IM Brasil 2025
- Micronutrientes: a base invisível da saúde, longevidade e performance esportiva
- MT Cast #205 - Resenha IM Brasil 4
- Race Preview - Circuito Mundial segue em Yokohama
- MT Cast #204 - Nicholas Santos
- Existe a refeição pré-treino perfeita?
- Race Preview - PRO Series segue com IM 70.3 St George
- Consumir mostarda ajuda na fadiga ou nas câimbras?
- MT Cast #203 - Fernando Toldi 2
CATEGORIAS
CONFIRA NOSSOS ARTIGOS POR CATEGORIAS